Por Vinícius Mahier
TE VIRA
Te senta aí, garoto. Amputa tuas mãos antes que eu leia. Não quero tuas mãos suando de ansiedade. Amputa logo. Vai, toma o machado. Amputa-as tu mesmo. Não quero tuas mãos criando textos. Tua boca pode. Teu nome impresso. Te vira. E a dor que estás sentindo, não te animas? Vai, lava este sangue. Anda. Esta água suja. E sobre, engatinha.
MOLÉSTIA
As circunstâncias me fizeram um canalha. Sou mau, porém saudável, até solar. Estou me usando de álibi ao meu excesso, ao meu contraste. Me usando de álibi ao álibi da sorte. Fôlego, possível. Me uso de fôlego à orla do meu cansaço. Desisto antes.
DE AMOR
Falar de amor. Não me parece obtuso, o clímax da minha poética. Mas Bloom (não, não me ouça, só estou sendo convencional), e a angústia?
Falar de amor. Não me parece obtuso, o clímax da minha poética. Mas Bloom (não, não me ouça, só estou sendo convencional), e a angústia?
VOLÚPIA
Nem horrível foi. Parecia que eu estava trepando com um dogma. Sem ritual... Pior é eu ter noção disso. A falta de humor é a nudez selvagem do espírito. E que volúpia pode provocar um espírito despido da sua humanidade? Que volúpia um corpo? O sexo, sem a força do humor, é inviável. E crer que o sexo é independente a tudo é subestimar pateticamente o prazer, de uma sutileza humorística deliciosa. No fim, creio que só o patético resiste à falta de humor. O patético incapaz de rir de si mesmo, que reina nos sentimentos graves demais, por isso nem vivos, nem mortos. Há humor suficientemente intrínseco na vida e na morte que, abolido do mundo, as extingue também. Então imagina! Imagina esse mundo sem vida e sem morte, em que o suicídio só não é a utopia total porque não há delírio quando não se pesa. O tédio! Só o tédio nos fará prováveis. Sem desassossego.
POEMA
Se insistem em colocar
este tipo de livro
na minha bibliografia,
que coloquem também
as vacinas e bulas
nas do Quintana e Drummond.
A ESMO
"A que distância está a outra tropa?" Abro, a esmo, o livro de Shakespeare e dou de cara com este verso. Me sinto fundo. Não pelo verso de Shakespeare, mas por abrir, a esmo, um livro e registrar o instante. Tantos fizeram isso, e fazem. Acabo de fazer também. É claro que, até chegar ao verso citado, abri o livro em diferentes páginas, que não me agradaram. Sujar meu texto com um verso anti-shakespeariano? "Gasta fôlego em vão" (Tímon de Atenas) Abri, a esmo, e esta aí a pompa. Mas atentemo-nos, enfim, ao conteúdo. A outra tropa, a que distância está?
DIANTE
Estou diante. Ante sempre alguma coisa. Enfrento. Estou diante. Por que não enfrentaria? Não, nem pestanejo. Estou diante. Diante dos meus olhos, que me cegam as pálpebras.
FATÍDICO
Talvez, naquela ocasião, a única coisa que eu realmente queria era que o futuro chegasse logo para que eu pudesse estar aqui, sossegado, escrevendo as minhas memórias. Hoje, já penso diferente: a única coisa que quero é terminar logo estas recordações e continuar assim, sem viver, para não ter no futuro qualquer relutância ao meu fatídico arrependimento.
IDEIA
Percebo, em mim, eu. Sou outro porque tenho uma ideia de mim. Nem me percebo. Tenho também, e me consola, a ideia do outro. Sou eu. Sou nada. Não posso querer ser nada, pois tenho a ideia de tudo.
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