sábado, 25 de outubro de 2014

Resenha - Mulheres que não sabem chorar, Lilian Farias


“They're walking around / Head full of sound / Acting like / We don't exist / They walk in the room / And stare right through you / Talking like / We don't exist / But we exist”

Não é por acaso que inicio minha resenha com um trecho da música “We Exist” da banda canadense Arcade Fire. A canção traça um conturbado relacionamento social na visão de um, e agora me permito restringir, homossexual. Se seguirmos a leitura de toda a letra percebemos que esse ser visto como alheio aos demais não merece ser limitado somente à sexualidade. Em uma tradução literal temos:  “Eles estão andando por aí / Com a cabeça cheia / Agindo como se / Nós não existíssemos / Entram na sala / E olham para você / Falando como se / Nós não existíssemos / Mas nós existimos.”

Num primeiro momento a letra da música leva-nos a pensar nas mulheres desse romance. O que sabemos sobre elas é que não sabem chorar e quando embarcamos em seus sentimentos nos encontramos no limite da condição social e ética do ser humano. Estão prestes a explodir, sem muitas esperanças... mas ainda sim, descobrem algo que somente elas podem compartilhar. Uma força que leva essas mulheres a buscarem pela felicidade e Lilian Farias me parece não escrever de uma felicidade utópica, mas palpável.  

“Emanamos amor, dor, tristeza. Emanamos alegria, força, vitalidade. Somos resistentes a esse mundo cão. Protegida por nossos espinhos.”

O “mundo cão” é o mundo que nós lemos nas páginas dos jornais, que a televisão reproduz em seus noticiários e reinventam em suas novelas e que nesse romance é cruel, sangrento, incontrolável.

“Pouco importava o que Marisa seria, mas o que ela deixou de ser.”

As mulheres desse romance são muitas e vivem na figura das protagonistas, Marisa e Olga. Elas lutam para compreender a fonte inesgotável de sentimentos, o fluxo constante de consciência e o amor. Um amor que mesmo em um mundo futurístico encontra barreiras de um pensamento hipócrita cultuado ainda hoje.

“Por muitos anos, realidade e fantasia não se entendiam, esse rompimento do ilusório causado pelo álcool na vida de Olga salvou-a das farsas do vício.”

Lilian Farias não tem somente um ponto de partida e o leitor não vai encontrar um ponto final. Entre milhões de possibilidades da primeira página outras milhões ressurgirão ao final da leitura. A narrativa merece suas surpresas e o leitor emocionar-se, rir e descobrir o mundo de Marisa e Olga.


Essas palavras escritas sobre o romance estão ali na superfície do título e as aventuras pelo texto são rarefeitas. Espero que o leitor aqui ou já dentro do texto possa descobrir novos caminhos para a narrativa.  

segunda-feira, 25 de agosto de 2014

Diálogo da Morte com a Moda

MODA: Madame Morte, Madame Morte.
MORTE: Espere que seja a hora e virei sem que tu me chames.
MODA: Madame Morte.
MORTE: Vá com o diabo. Virei quando tu não quiseres.
MODA: Como se eu não fosse imortal.
MORTE: Imortal? Já é passado mais que o milésimo ano que já terminaram os tempos dos imortais.
MODA: Também a Madame é petrarquista como se fosse um lírico italiano do Quinhentos ou do Oitocentos?
MORTE: Tenho muita estima pelas rimas de Petrarca, pois nelas encontro o meu triunfo e por que falam de mim por toda parte. Mas, em suma, caia fora.
MODA: Vá lá, pelo amor que tu tens pelos sete vícios capitais, pare um pouco e olhe-me.
MORTE: Olho-te.
MODA: Não me conheces?
MORTE: Deverias saber que tenho uma má visão e que não posso usar óculos, porque os ingleses não os fazem de modo a servir-me e, ainda que os façam, não teria onde apoiá-los.
MODA: Sou a Moda, tua irmã.
MORTE: Minha irmã?
MODA: Sim, não te lembras de que nós duas nascemos da Caducidade?
MORTE: O que posso recordar se sou inimiga da memória.
MODA: Mas eu me lembro bem e sei que tanto tu quanto eu muito nos esforçamos para desfazer e trasmutar continuamente as coisas aqui em baixo, ainda que tu vás por um caminho e eu por outro.
MORTE: Caso não fales com teu próprio pensamento ou com alguém que tu tenhas na garganta, levante mais a voz e articule melhor as palavras, pois se continuares a colocar as palavras entre os dentes com esta vozinha de taquara rachada irei compreendê-la amanhã, já que o ouvido, caso não saibas, serve-me tão mal quanto a vista.
MODA: Ainda que sejas contrária aos bons costumes e que na França não seja habitual falar para ser ouvido, também por que somos irmãs e entre nós podemos não ter tantas formalidades, falarei como tu queres. Digo que a nossa natureza e uso comum é de renovar continuamente o mundo, mas tu desde o princípio te lançaste sobre as pessoas e o sangue; eu me contento no máximo com as barbas, os cabelos, as roupas, os bens domésticos, os palácios e coisas afins. É bem verdade que não me faltaram e não me faltam vários jogos comparáveis aos teus, como, por exemplo, agulhar por vezes orelhas, lábios e narizes, e rasgá-los com bugigangas que coloco nos buracos; queimar a carne dos homens com selos quentes que converto em marcas de beleza; deformar a cabeça das crianças com bandanas e outras engenhocas, impondo o hábito de que todos os homens do país tenham que ter a cabeça da mesma forma, como fiz na América e na Ásia; aleijar as pessoas com calçados pequenos; impedi-las de respirar e fazer com que os olhos lhes saltem para entrarem no corpete ajustado; e cem outras coisas desse gênero. E mais, genericamente falando, eu persuado e constranjo todos os senhores a suportar a cada dia mil fadigas e mil desconfortos, frequentemente dores e tormentos, e convido alguns a morrer gloriosamente pelo amor que têm por mim. Isso para não falar das dores de cabeça, dos resfriados, das fluxos de todo tipo, das cotidianas febres terçãs e quartãs que os homens recebem por obedecer-me, consentindo em tremer de frio ou em afogar-se de calor de acordo com o que quero, protegendo as costas com lãs e o peito com lona, fazendo qualquer coisa ao meu modo mesmo que seja com danos para eles.
MORTE: Em conclusão, eu acredito que sejas minha irmã e, se quiseres, tenho-a por mais certa que a morte sem que tu tenhas que me provar. Mas, estando assim quieta, eu desmaio; entrentanto, se te dá ânimo correr ao meu lado, tenhas cuidado para não cair, porque parto em fuga; correndo poderás falar de tuas necessidades; caso contrário, em consideração ao nosso parentesco, prometo-te, quando eu morrer, deixar todas as minhas coisas, e que tenhas um bom ano.
MODA: Se tivéssemos que correr juntas em competição, não sei quem de nós venceria a prova, pois se tu corres, eu o faço melhor do que se estivesse galopando; quanto a estar quieta em um só lugar, se tu desmaiares, eu me destruo. Assim que voltarmos a correr, e correndo como tu dizes, falaremos dos nossos casos.
MORTE: Em boa hora. Já que nasceste do corpo de minha mãe, seria conveniente que tu me ajudasse de algum modo a fazer as minhas coisas.
MODA: Eu já o fiz, no passado, mais do que pensas. Para começar, eu, que anulo e transtorno continuamente todos os hábitos, jamais permiti que se extinguisse a prática de morrer e, por isso, podes ver que tal uso dura universalmente até hoje desde o começo do mundo.
MORTE: Grande milagre que não fizeste aquilo que não pudeste fazer!
MODA: Como não pude? Tu demonstras não conhecer a potência da moda.
MORTE: Bem, bem, com relação a isso teremos tempo de discutir quando chegar o costume de não morrer. Mas, no meio tempo, gostaria que tu, como boa irmã, ajudasse-me a obter o contrário mais facilmente e mais rápido do que fiz até agora.
MODA: Já te contei a respeito de algumas obras que muito te beneficiam. Mas não são grandes coisas em relação à estas que te quero dizer agora. Algumas vezes, mais nesses últimos tempos, para favorecer-te, mandei cair em desuso e no esquecimento as fadigas e os exercícios que ajudam no bem-estar corporal, e introduzi ou coloquei em relevância incontáveis usos que recaem sobre o corpo de mil modos e encurtam a vida. Além disso, coloquei no mundo tais ordens e tais costumes que a própria vida, tanto em relação ao corpo como em relação à alma, é mais morta do que viva; tanto que este século pode ser chamado exatamente o século da morte. E enquanto antigamente tu não tinhas outras possessões que não covas e cavernas, onde no escuro semeavas ossaduras e poeiras, que são sementes que não dão frutos; agora tens o terreno ao sol e as pessoas que se movem e que andam por aí a pé; são coisas, pode-se dizer, de teu pleno direito, ainda que tu não as tiveste colhido desde que elas nasceram. Ainda mais, se antes eras odiada e insultada, hoje, por minha obra, as coisas se reduziram a termos que quem quer que tenha inteligência te prestigia e louva, antepondo-te à vida, e te quer tão bem que sempre te chama e te dirige os olhos como à sua maior esperança. Finalmente, porque via que muitos tinham a presunção de fazer-se imortais, isto é, de não morrer por completo, pois tinham a ideia de que uma boa parte de si não te cairia nas mãos, eu, sabendo que se tratava de bobagens e que quando estes ou outros vivessem na memória dos homens, viveriam, por assim dizer, de escárnio, sem gozar da sua fama mais do que se sofressem com a umidade da sepultura. De todo modo, compreendendo que esse negócio dos imortais te desagradava, pois parecia diminuir a honra e a reputação, acabei com esse hábito que busca a imortalidade, e também com o de concedê-la em caso de alguém que a merecesse. De modo que no presente, estás segura de que, a quem quer que morra, não lhe resta nem mesmo uma migalha que não esteja morta e que lhe convém ser subitamente enterrada, como um pescado quando é tragado com uma só bocada, com cabeça, espinhas e todo o resto. Essas coisas, que não são poucas nem pequenas, as fiz por amor a ti, querendo engrandecer seu estado na terra, como aconteceu. E para esse efeito estou disposta a fazer todo dia cada vez mais; com essa intenção fui a tua procura, e parece-me apropriado que de agora em diante nós não nos separemos, pois estando sempre em companhia poderemos nos consultar ao mesmo tempo de acordo com o caso e tomar melhores decisões do que antes, como também executá-las da melhor maneira.
MORTE: Tu dizes a verdade e assim quero que façamos.


Giacomo Leopardi. Dialogo della Moda e della Morte. In.: Operette Morali. Milano: Rizzoli Editore, 1951. pp. 29-33. (A opereta foi escrita entre os dias 15 e 18 de fevereiro de 1824 e publicada em 1827) Tradução para o português: Vinícius Nicastro Honesko. 

segunda-feira, 18 de agosto de 2014

Eu, Etiqueta, Carlos Drummond de Andrade

Em minha calça está grudado um nome
Que não é meu de batismo ou de cartório
Um nome... estranho.
Meu blusão traz lembrete de bebida
Que jamais pus na boca, nessa vida,
Em minha camiseta, a marca de cigarro
Que não fumo, até hoje não fumei.
Minhas meias falam de produtos
Que nunca experimentei
Mas são comunicados a meus pés.
Meu tênis é proclama colorido
De alguma coisa não provada
Por este provador de longa idade.
Meu lenço, meu relógio, meu chaveiro,
Minha gravata e cinto e escova e pente,
Meu copo, minha xícara,
Minha toalha de banho e sabonete,
Meu isso, meu aquilo.
Desde a cabeça ao bico dos sapatos,
São mensagens,
Letras falantes,
Gritos visuais,
Ordens de uso, abuso, reincidências.
Costume, hábito, permência,
Indispensabilidade,
E fazem de mim homem-anúncio itinerante,
Escravo da matéria anunciada.
Estou, estou na moda.
É duro andar na moda, ainda que a moda
Seja negar minha identidade,
Trocá-la por mil, açambarcando
Todas as marcas registradas,
Todos os logotipos do mercado.
Com que inocência demito-me de ser
Eu que antes era e me sabia
Tão diverso de outros, tão mim mesmo,
Ser pensante sentinte e solitário
Com outros seres diversos e conscientes
De sua humana, invencível condição.
Agora sou anúncio
Ora vulgar ora bizarro.
Em língua nacional ou em qualquer língua
(Qualquer principalmente.)
E nisto me comparo, tiro glória
De minha anulação.
Não sou - vê lá - anúncio contratado.
Eu é que mimosamente pago
Para anunciar, para vender
Em bares festas praias pérgulas piscinas,
E bem à vista exibo esta etiqueta
Global no corpo que desiste
De ser veste e sandália de uma essência
Tão viva, independente,
Que moda ou suborno algum a compromete.
Onde terei jogado fora
Meu gosto e capacidade de escolher,
Minhas idiossincrasias tão pessoais,
Tão minhas que no rosto se espelhavam
E cada gesto, cada olhar
Cada vinco da roupa
Sou gravado de forma universal,
Saio da estamparia, não de casa,
Da vitrine me tiram, recolocam,
Objeto pulsante mas objeto
Que se oferece como signo dos outros
Objetos estáticos, tarifados.
Por me ostentar assim, tão orgulhoso
De ser não eu, mas artigo industrial,
Peço que meu nome retifiquem.
Já não me convém o título de homem.
Meu nome novo é Coisa.
Eu sou a Coisa, coisamente.



quarta-feira, 6 de agosto de 2014

Apelidos: dupla identidade, Martha Medeiros

Os apelidos são uma maneira poderosa de botar as pessoas nos seus devidos lugares. Essa frase é da escritora Doris Lessing, e chamou minha atenção porque diz justamente o contrário do eu sempre pensei de apelidos. Sempre achei que fossem um carinho, um atalho para a intimidade, ou ao menos um meio mais rápido de chamar alguém: em vez de João Carlos, Joca; em vez de Maria Aparecida, Cida; em vez Adalberto, Beto. Nenhuma má intenção. 
O que Doris Lessing quis lembrar é que apelidos nem sempre são afetuosos. A maioria dos apelidos nascem na infância e são dados por outras crianças que, como todos sabem, de anjo só têm a cara. Crianças adoram pegar no pé das outras, e á aí que começa o batismo de fogo.
Uma banana-split todo dia na hora do recreio. Gordo. Vai ser Gordo o resto da vida, mesmo que venha a ser jóquei, faquir, homem elástico: vai morrer Gordo. 
Se for loiro, é Xuxa. Se a voz for engraçada, é Fanho. Se não for filho único, é Mano, Mana, Maninha. Irmãos de quem, eu conheço?
Fui colega de um cara bárbaro que se chamava Antônio, mas se alguém o chamasse assim, ele nem levantava os olhos. É o Verde. Uma mãe e um pai colocam um nome lindo no filho e não pega.
FHC, PC, ACM, agora é mania: transformar pessoas em siglas. Sorvetão era o apelido de uma paquita chamada Andrea: Sorvetão! E o Caetano Veloso inovou mais uma vez, registrando seus filhos como Zeca e Tom, que jamis serão apelidados. 
Muita gente, secretamente, detesta a própria alcunha, mas são obrigados a resignar-se, sob o risco de perder a identidade. Qual o nome do Bussunda, do Tiririca, do Chitãozinho e Xororó? Anônimos Cláudios, Ricardos e Fernandos. Nomes que só existem em cartório.
Apelido gruda, cola, vira marca registrada. Tem negro que é Alemão, tem grandão que é Fininho, tem careca que é Cabeleira, tem ateu que é Cristo, tem moreno que é Ruivo, tem albino que é Tição. Apelido não tem lógica. Tem história. 
Doris Lessing, quando criança, tinha um apelido para sua segunda personalidade: chamava si mesma de Tigger. Doris era um nome para consumo externo, para denominar a menina boazinha  que aparentava ser. Tigger era o que ela era em segredo: sarcástica, atrevida, extrovertida. Com esse depoimento, Doris Lessing mostrou a verdadeira utilidade dos apelidos, em vez daquela coisa antipática de "colocar as pessoas em seus devidos lugares". O bom do apelido é que ele nos dá a permissão para sermos vários: Afonso Henrique combina com gravata, mas Ique tem mais a ver com bermuda. Esta aí uma maneira sutil de legalizar o nosso outro eu, o que ficou sem registro.  

terça-feira, 5 de agosto de 2014

FLIC - Primeiro cartaz

A Biblioteca Pública Municipal Djalma Andrade divulgou no último sábado, dia 2 de agosto, o primeiro cartaz promocional da Festa Literária de Congonhas.

Confira:


Acompanhem mais informações sobre a FLIC aqui no blog. 

quarta-feira, 4 de junho de 2014

Rei Lear, Shakespeare


Vinícius  Mahier.


Mais do que a humildade de ler Shakespeare no original, considerando-se incapaz de compreendê-lo verdadeiramente, devido ao peso de sua obra, é a humildade de ler uma tradução, sem subestimá-la como algo inútil e malogrado, embora seja, para muitas pessoas (e o inglês como segunda língua ainda é uma realidade da minoria, ao menos no Brasil), a única forma de contato com algum autor estrangeiro.  
E eu não sei inglês. Antes de começar a ler suas peças, o pensamento de que lia uma fraude inferior me apoquentava o espírito e, depois de inúmeras idas a bibliotecas e sebos, pesquisas por traduções, acabei entendendo que, se eu não mudasse minha concepção sobre a importância (e, no meu caso, inevitabilidade) da tradução, não poderia sequer lê-lo no original, caso soubesse sua língua. Não poderia continuar blasonando a literatura como se eu a entendesse em seus aspectos realmente maduros. Talvez sequer poderia ler uma obra de massa escrita em língua brasileira. O problema não era o texto, a insatisfação que me adivinha a cada peça traduzida que eu encontrava e descartava por considerá-la antiga, pretensiosa, vã, desnecessária: o problema era a minha mentalidade acéfala e preguiçosa. Preconceituosa.
Em um de seus ensaios, (Goethe, o sábio”), T.S. Eliot é categórico: “Pois se é verdade que o total desconhecimento da língua limita agudamente nossa apreciação desse poeta, isso não serve de desculpa para que ignoremos por completo sua obra”. E afirma que o essencial de poetas como Shakespeare permanece, devido a sua força universal. Compreendendo finalmente isso, e confesso que o desafio me trouxe uma forte crise de consciência e criativa, responsável por um amadurecimento crítico e literário, consegui terminar uma obra do bardo sem esbarrar, não totalmente, no preconceito de que aquilo era uma espécie de antishakesspeare, uma falsificação barata, e que não estava à altura do tempo que eu estava gastando com ela (embora eu não esteja à altura sequer das notas de rodapé das edições originais). Em suma, li Shakespeare, com ajuda comercial de Millôr Fernandes.
Lear, rei da Grã-Bretanha, decide dividir o reino entre suas três filhas, pedindo antes, no entanto, que elas lhe descreva o quanto o amam e lhe são gratas. Goneril e Regana fazem um discurso impressionante, no qual exaltam as qualidades do pai e o respeito que possuem por ele; a terceira filha, Cordélia, por ter consciência de que não conseguirá transcrever para as palavras o seu real sentimento pelo pai, prefere o silêncio, o qual o rei toma por severo insulto, interpretando-o como uma afirmação clara de falta de amor da filha. Ele, portando, divide sua fortuna entre as duas filhas mais velhas; e Cordélia, expulsa, mesmo sem dote, é pedida em casamento pelo rei da França. O duque de Kent intercede por Cordélia e acaba banido também, voltando ao reino disfarçado, para ajudar o rei (interessante ressaltar que a técnica de travestir personagens é muito recorrente na obra shakespeariana).
Há ainda a história do conde de Glócester, traído por seu filho Edmundo, bastardo, que conspira o pai contra o irmão Edgar, filho legítimo, que acaba tendo que fugir e se disfarçar de mendigo. Edmundo também trama contra o pai, que acaba tendo os olhos arrancados pelo duque da Cornualha, marido de Regana, que, assim como Goneril, acaba se envolvendo amorosamente com Edmundo e, juntas, passam a maltratar o pai e  cortar-lhe gastos, como, por exemplo, metade do seu séquito. Expulso de casa, em companhia com o seu Bobo e Kent, Lear, após sofrer uma grande tempestade, é acolhido por Glócester, quando ainda não havia sido traído pelo filho.
Não sou resenhista. Cabe-me aqui, portanto, apresentar as obras do poeta e minhas impressões sobre a leitura. Quanto a esta primeira, realmente impressiona a força dramática e poética do bardo. Ele consegue articular de forma magistral seus personagens e suas falas muitas vezes são verdadeiros poemas, assim como são (e sem fronteiras aqui, por favor) dramas exemplares. Shakespeare não envelheceu e dificilmente envelhecerá. É claro que, como toda força humana criadora, estava passível de erros e errou, o que não diminui em nada a sua obra. 
Abaixo alguns trechos que destaquei da minha primeira leitura sobre a obra, cuja releitura será a última obra do desafio (toda leitura é uma escrita e, embora ainda seja Shakespeare, embora ainda seja eu, é, acima de tudo, um processo, dinâmico e diferente).

"CORDÉLIA: (à parte) E então, pobre Cordélia? Mas, contudo, não sei; pois teu amor, tenho certeza, é mais profundo do que tua fala" 

"CORDÉLIA: Meu bom senhor, tu me geraste, me educaste, amaste. Retribuo cumprindo o meu dever de obedecer-te, honrar-te, e amar-te acima de todas as coisas. Mas para que minhas irmãs têm os maridos se afirmam que amam unicamente a ti? Creio que, ao me casar, o homem cuja mão receber minha honra deverá levar também metade do meu amor, dos meus deveres e cuidados. Jamais me casarei com o minhas irmãs, para continuar a amar meu pai - unicamente"

"GONERIL: Tu vês como é cheia de mudanças a velhice. A experiência que tivemos foi bem grave; ele sempre gostou mais de nossa irmã; e a falta de critério com que a repudiou agora se mostrou de maneira bem grosseira.
REGANA: É um mal próprio da idade; aliás, nunca teve um maior conhecimento de si próprio.
GONERIL: Mesmo no tempo melhor e mais saudável de sua vida sempre foi um imprudente: devemos esperar de sua velhice não apenas os defeitos há muito tempo adquiridos e entranhados mas também a impertinência e os caprichos que chegam com os anos de senilidade e doença"

"EDMUNDO: Eis a sublime estupidez do mundo; quando nossa fortuna está abalada – muitas vezes pelos excessos de nossos próprios atos – culpamos o sol, a lua e as estrelas pelos nossos desastres; como se fôssemos canalhas por necessidade, idiotas por influência celeste; escroques, ladrões e traidores por comando do zodíaco; bêbados, mentirosos e adúlteros por forçada obediência a determinações dos planetas; como se toda a perversidade que há em nós fosse pura instigação divina. É a admirável desculpa do homem devasso – responsabiliza uma estrela por sua devassidão. Meu pai se entendeu com minha mãe sob a Cauda do Dragão e vim ao mundo sob a Ursa Maior; portanto devo ser lascivo e perverso. Bah! Eu seria o que sou, mesmo que a estrela mais virginal do firmamento tivesse iluminado a minha bastardia"

"KENT: Se eu também conseguir modificar os sons de minha voz, alterando o meu modo de falar, a minha boa intenção me fará realizar plenamente o objetivo que me levou a transformar meu aspecto. Agora, banido Kent, se puderes servir a quem te condenou – e espero que possas – o teu senhor, a quem amas, te encontrará pronto pra tudo".
"BOBO: A verdade é um cachorro que tem de ficar preso no canil. E deve ser posto fora de casa a chicotadas quando madame Cadela quer ficar calmamente fedendo junto ao fogo.
LEAR: Pestilência irritante!
BOBO: Camarada, vou te ensinar uns provérbios.
LEAR: Ensina.
BOBO: Presta atenção, titio:
Mostra menos os teus bens
No que sabes não te expandas
Empresta menos do que tens
Cavalga mais do que andas
Ouve na justa medida
Só arrisca o que não importa
Larga amantes e bebida
Tranca bem a tua porta:
E terás em cada vintena
Mais que o dobro da dezena."
KENT: Isso não é nada, Bobo.
BOBO: Então é como a voz de um advogado sem honorários – também não me deram nada pelo que falei. O senhor não sabe fazer nada com o nada, tiozinho?
LEAR: Claro que não, rapaz; do nada não sai nada.
BOBO: (A Kent.) Por favor, diz a ele que isso é tudo que lhe rendem as terras que não tem – ele não vai acreditar num Bobo".
LEAR: Estás me chamando de bobo, Bobo?
BOBO: Você abriu mão de todos os outros títulos; esse é de nascença".

"LEAR: Tem alguém aqui que me conheça? Este aqui não é Lear. Lear anda desse jeito? Fala assim? Onde estão os olhos dele? Ou sua inteligência enfraqueceu ou tem o discernimento em letargia... Ah! Estou acordado? Não pode ser. Alguém é capaz de dizer quem eu sou?
BOBO: A sombra de Lear."

"(Outro local do descampado. A tempestade continua. Entram Lear e o Bobo.)
LEAR: Sopra, vento, até arrebentar tuas bochechas! Ruge, sopra! Cataratas e trombas do céu, jorrem torrentes até fazer submergir os campanários e afogar os galos de suas torres. Relâmpagos de enxofre, mais rápidos que o pensamento, precursores dos raios que estraçalham o carvalho, queimem minha cabeça branca. E tu, trovão que abala o universo, achata para sempre a grossa redondez do mundo! Quebra os moldes da natureza e destrói de uma vez por todas as sementes que geram a humanidade ingrata!
BOBO: Oh, titio, a água benta da bajulação numa casa bem seca é melhor do que esta água de chuva a céu aberto. Entra, titio bonzinho, e pede a bênção a tuas filhas. Esta noite não tem pena nem dos bobos nem dos sábios.
LEAR: Arrota as tuas entranhas! Vomita, fogo! Alaga, chuva! A chuva, o vento, o trovão e o fogo não são minhas filhas. Elementos, eu não os acuso de ingratidão; nunca lhes dei reinos ou chamei de filhos, nunca me deveram obediência alguma. Portanto, podem despejar sobre mim o horror do seu arbítrio. Olhem, aqui estou eu, seu escravo, um pobre velho, débil, doente, desprezado. Mas continuo a chamá-los de cúmplices subservientes que se uniram a minhas duas desgraçadas filhas para lançar os batalhões do céu contra esta cabeça tão velha e tão branca. Oh! Oh! É revoltante!"

"LEAR: Lê.
GLOUCESTER: Como, com o buraco das órbitas?
LEAR: Oh, oh. O que é que estás dizendo? Sem olhos na cara nem dinheiro na bolsa? O vazio da cara é mais caro, o da bolsa é mais claro. Mesmo assim, vês como vai indo o mundo?
GLOUCESTER: Um mundo sentido.
LEAR: Como, estás louco? Mesmo sem olhos um homem pode ver como anda o mundo. Olha com as orelhas. Vê como aquele juiz ofende aquele humilde ladrão. Escuta com o ouvido, troca os dois de lugar, como pedras nas mãos; qual o juiz, qual o ladrão? Já viste um cão da roça ladrar prum miserável?
GLOUCESTER: Já, meu senhor.
LEAR: E o pobre diabo correr do vira-latas? Pois tens aí a imponente imagem da autoridade; até um vira-lata é obedecido quando ocupa um cargo. Oficial velhaco, suspende tua mão ensangüentada! Por que chicoteias essa prostituta? Desnuda tuas próprias costas. Pois ardes de desejo de cometer com ela o ato pelo qual a chicoteias. O usurário enforca o devedor. Os buracos de uma roupa esfarrapada não conseguem esconder o menor vício; mas as togas e os mantos de púrpura escondem tudo. Cobre o crime com placas de ouro e, por mais forte que seja a lança da justiça, se quebra inofensiva. Um crime coberto de trapos a palha de um pigmeu o atravessa. Não há ninguém culpado, ninguém – digo, ninguém! Eu me responsabilizo. Podes acreditar em mim, amigo, tenho o poder para lacrar os lábios do acusador. Arranja olhos de vidro e, como um político rasteiro, finge ver aquilo que não vês. Vamos, vamos, vamos, vamos! Tirem-me as botas. Mais força. Mais força! Assim.
EDGAR: (À parte.) Oh, que mistura de bom senso e de absurdo. A razão na loucura".




 





quarta-feira, 28 de maio de 2014

Quem é você, Alasca?, John Green



Mariana Cardoso 


*Na versão original está escrito: O primeiro amigo, a primeira garota, as últimas palavras. Porém para mim é ao contrário: O primeiro amigo, o primeiro garoto, as últimas palavras.

Alasca Young, devo dizer que as suas palavras jamais serão ditas ou compreendidas. Também devo dizer o quão brilhante foi o livro escrito por John Green. Mas afinal, Quem é você, Alasca? Miles Halter é um adolescente fissurado por últimas palavras que vai estudar em um colégio interno, procurando resposta para o seu “Grande Talvez”. O maior acerto do autor foi colocar Miles nesse colégio, pois ele obtinha uma complexidade a ser explorada, e um exemplo que poderia ser claramente citado é através de todas as biografias com finais “trágicos” ou “não solucionados” lidos pelo personagem, assim como já é do estilo de John Green proporcionar aos leitores finais que não possamos nos desligar completamente. Entrando de cabeça em uma outra vida, o personagem (Miles), conhece o Chip – que gosta de ser chamado de Coronel, pois participava de um grupo de anti Guerreiros do dia de Semana, formado por garotos ricos, e Chip era apenas um bolsista –. É notório que Miles se tornou o melhor amigo do Coronel em poucas horas e consequentemente foi a amizade mais verdadeira e duradoura ao longo da história. De forma brilhante Alasca foi posta em meio a amizade dos dois. Coronel apresenta ela ao “Gordo” – apelido dado ao Miles –, e  ao Takumi, um descendente japonês que integra o grupo. Embora no início do livro Gordo sofra com bullying, ele acaba se submetendo as regras do seu grupo e quebrando todas as da escola.

Alasca é uma jovem enigmática, questionadora, rebelde e sedutora, porém tem um namorado. Mas, foi só Miles olhar para ela que se permitiu amar e sentir o amor que estava desenvolvendo, ganhando assim a confiança de Alasca e fazendo com que ela comentasse sobre “um labirinto”.


Alasca se encontrava em um labirinto que compartilhou unicamente com Miles. A grande pergunta que irá perdurar ao longo de todas as outras perguntas é e sempre será “como sairei deste labirinto?”, e em meio a um questionamento tão plausível, não temos chances de questionar ao menos por um minuto, como leitores, o por que de tantas confusões, confissões e lágrimas derramadas por cada personagem. Confesso que Alasca Young com as suas crises existenciais se tornou amada, entendida e respeitada por suas atitudes corajosas e épicas, fazendo com que a saudade dessa personagem afete todo o resto. Ela beijou Miles, prometendo a ele “um depois”, porém não houve um depois, e em sua homenagem foi executado o maior trato já planejado por Alasca durante o seu curto tempo de vida. Contudo, um final alternativo foi dado a nós e a ela, mas nunca seremos capazes de responder quem realmente foi você, Alasca.     

segunda-feira, 26 de maio de 2014

sexta-feira, 18 de abril de 2014

Resenha - Ninguém escreve ao coronel, Gabriel García Márquez


(Ninguém escreve ao coronel, Gabriel García Márquez: tradução Danúbio Rodrigues. Rio de Janeiro: Record. 96 p.) 


Por Taynara Cruz


Em sua segunda obra publicada, Gabriel García narra a história de um coronel e sua esposa que vivem miseravelmente. O coronel espera uma carta que deveria trazer a sua aposentadoria, mas há quinze anos essa espera é inútil. Todas as sextas-feiras, o único dia que o correio chega à cidade, ele vai ao encontro do carteiro, que sempre repete a frase “Ninguém escreve ao coronel”.

O único filho do casal – Agústin – morreu baleado em uma rinha de galos, e a única coisa que ele deixou para os pais foi o próprio galo. A partir deste episódio, o Coronel e a esposa criam-no com a esperança de engordá-lo para vendê-lo a um bom preço ou para ganhar algum dinheiro nas rinhas.

Em vários momentos do livro, a esposa do coronel tenta convencê-lo a vender o galo, já que eles deixavam de comer para alimentá-lo. Em uma dessas discussões ela diz: “— Já várias vezes pus pedras a ferver para que os vizinhos não saibam que passamos muitos dias sem fazer comida”. Este trecho mostra uma mulher, que mesmo miserável, se importa com o que os vizinhos vão pensar ou dizer, o que tipifica uma sociedade que tem o costume de viver de aparências.

Vale ressaltar que quando Gabo escreveu este livro, ele estava falido. Todos os sentimentos intensificados no texto por causa da pobreza podem ter sido vivenciados por ele. Esta pode ser uma explicação do por que a obra é tão viva e real.

A carta que não chega devido ao descaso do governo para com os cidadãos e a censura dos filmes e jornais – descritas no livro – dão dicas sobre o governo da época, que com certeza não é uma república democrática. O leitor é levado a adquirir uma postura política de repúdio à opressão e à falta de igualdade entre os cidadãos.

“Para os europeus, a América do Sul é um homem de bigodes com um violão e um revólver – brincou o médico, rindo sobre o jornal. Não entendem nossos problemas.” Podemos enxergar aqui uma crítica sobre a cegueira dos colonizadores em relação aos colonizados, que veem tudo de maneira estereotipa e supérflua.

Em 96 páginas, Gabriel García Márquez consegue captar a atenção do leitor, provocar uma visão crítica e contar uma excelente estória. Tudo o que um bom livro precisa fazer!


Gabriel García Márquez faleceu ontem aos 87 anos.  O autor colombiano deixou uma obra inestimável, entre os títulos o grande romance "Cem anos de solidão". Vencedor do Nobel de Literatura, podemos ter certeza que jamais será esquecido entre as estantes literárias. 

Acompanhem a leitura completa da obra do autor pela leitora Taynara Cruz para o desafio "Um autor para 2014".   

quarta-feira, 16 de abril de 2014

O conjunto do infinito


(A Culpa é das estrelas, John Green: tradução Renata Pettengil. Rio de Janeiro: Intrínseca, 2012. 288 p.)



Por Mariana Cardoso

A maior ironia que aqui pode ser escrita e descrita, é simplesmente a ironia errônea. A cada página, suspiro e filosofia, passamos a duvidar do destino. Marquei várias páginas para começar o meu artigo de opinião, porém, o êxtase que o livro me proporcionou me faz pensar e refletir. Para que tantas palavras se o mundo é um completo devaneio, assim como as pessoas que nele habitam sendo acoplados aos seus problemas? A resposta é clara, se tratando deste mundo. Nós somos as palavras, e o câncer é a luta da sobrevivência dos problemas.

Querida Hazel, a partir do momento em que tocamos o livro e encaramos a gravidade da sua doença, temos a certeza de que você é um orgulho e não uma opção, é um atalho e não um fardo, é uma vida e não uma granada, como você mesma se denomina.

“Eu estou apaixonado por você e não quero me negar o simples prazer de compartilhar algo verdadeiro.” – Augustus Waters. “Augustus Waters, eu amo você.” – Hazel Grace.

Augustus, você é indefinível, imprevisível e o pior que isso é que a culpa é das estrelas. Você tentou dar a Hazel tudo que você queria que alguém tivesse dado a você. A cada pensamento sanguinário e temeroso, era um suspiro secreto de Adeus, mas não um Adeus com A maiúsculo, pois você disse que existe Algo com A maiúsculo, e é esse Algo, que sempre te tornaria as escolhas da Hazel.


“Eu realmente achei que ela fosse morrer antes que eu pudesse lhe contar que também ia morrer”, e por fim o querer mais termina com as palavras “Eu aceito, Augustus. Eu aceito”, e nós leitores aceitamos John Green, simplesmente aceitamos. 

quarta-feira, 2 de abril de 2014

As multifacetas de Carrie


(Os diários de Carrie, Candace Bushnell: tradução de Alda Lima. Rio de Janeiro: Galera Record, 2010. 400 p.)


Por Mariana Cardoso

Para começarmos a falar sobre “Os diário de Carrie”, da autora Candace Bushnell, o leitor deverá ter uma leitura mais do que superficial. Afinal, Carrie tem diferentes desenvolvimentos ao longo do livro.

Quando falamos de multifacetas, pensamos em algo desafiador. Mas basta vocês prestar um pouco mais de atenção, que um simples diário pode ter temas considerados comuns e que demonstram uma consequência diferenciada em cada família. Um dos temas abordados de forma indireta, é sobre a falta de diálogo familiar. Carrie é uma adolescente de 17 anos, que teve que lidar com a perda precoce da mãe, e a partir daí ela se mostra uma garota emocionalmente despreparada para o mundo e seus desafios, assim como suas irmãs e seu pai.

Ao logo do livro é confirmado cada vez mais a falta do diálogo, e são temas que precisam ser abordados pelos pais, até como forma de prevenção. Exemplos claros como sexualidade, drogas, relacionamento e a liberdade de escolha de um futuro.

A primeira coisa que pensamos quando começamos a ler o livro é “Nossa, que menina idiota” ou “os amigos de Carrie tem mais força na obra do que ela mesma”. Mas Carrie começa a se desenvolver a partir do momento em que corre atrás de seus sonhos após ter sido traída pelo namorado com sua melhor amiga.

Com certeza “Os diários de Carrie” guarda emoções, principalmente nas partes em que o livro está ficando monótono. As garotas se identificarão com a protagonista e sempre torcerão para que ela dê o troco o mundo e nas peças que ele está lhe preparando.


quarta-feira, 19 de março de 2014

Infinito, Indecifrável e Lindo



(O teorema de Katherine, John Green: tradução Renata Pettengill. Rio de Janeiro: Intrínseca, 2013. 304 p.)


Por Mariana Cardoso

19 Katherines. Cobin Singleton não é físico, mas linguista: ele gosta de Katherines. E não de Katies, nem Kats, nem Katties, nem Cathys, nem Rynns, nem Trinas, nem Kays, nem Kates, nem – Deus o livre – Catherines. Mas, foram tantas decepções Katherianas que Colin decidiu fazer um teorema sobre cada uma delas para definir e prever o ciclo de um namoro. E confesso que a ideia é estúpida e chata.

John Green, sempre é capaz de escrever coisas que vão surpreender o leitor e prender a sua atenção, mas nas primeiras 140 páginas do livro “O Teorema de Katherine” foram insuportavelmente superficiais de intelecto. Não que ele tenha se expressado de uma maneira considerada “burra”, mas sim, monótona, chata e repetitiva. Porém, quando o autor decide mudar o foco sobre um Colin “O prodígio”, e, “Katherine 19”, todas as questões ridículas levantadas na obra se tornam lindas.

Foi decepcionante como John Green demorou tanto para ter a percepção de como seu livro estava desgastando mentalmente seu leitor e que ele só ganha intensidade quando desenvolve Lindasey Lee Wells. Hassan, também é considerado o ápice, pois, se John centralizasse somente nos pensamentos complexos do protagonista sua obra seria uma catástrofe.


O livro sem um final, acabou se tornando desafiante para o leitor, pois teremos um leque de opções para um futuro indefinido. Portanto, a menos que você passe da página 140, tenha certeza absoluta de que você se decepcionará, assim como eu me decepcionei. E, contanto que você já esteja na página 141, você amará o livro como eu amei. 

quarta-feira, 12 de março de 2014

Resenha - 100 escovadas antes de ir para cama, Melissa Panarello


(100 escovadas antes de ir para cama, Melissa Panarello: tradução Eliana Aguiar. Rio de Janeiro: Objetiva, 2010. 164 p.)


Por R.S.Merces


“Nem um gemido saiu dos meus lábios, mas dei um sorriso. Querer que ele soubesse da minha dor seria expressar os sentimentos que ele não queria conhecer. Ele quer usar o meu corpo, não quer conhecer minha luz.” pág. 28

100 escovadas antes de ir para cama, narra em forma de um diário, as experiências sexuais de uma garota de 15 anos. Melissa perde a virgindade por ocasião e seu estágio de constante conflito consigo mesma torna-a uma experiência dos sentimentos humanos tão conturbados na adolescência.

O livro nada mais é do que aquela inquietação por conhecer o mundo, principalmente dos adultos. A protagonista vive em uma casa onde os pais pouco se importam com ela, estão sempre em silêncio. A relação familiar é pouco ou nada amorosa e a garota procura no sexo com diferentes garotos uma réstia da verdade do amor.

As experiências de Melissa são todas fracassadas. Seu corpo é tratado como um mero material, às vezes até mesmo como produto de troca e negociações. Sua curiosidade sexual também é marcada pela repulsa e insegurança.

“Nós falamos, nos movemos, comemos, realizamos todas as ações que para um ser humano são obrigatórias, mas, ao contrário dos Rochedos, não estamos sempre no mesmo lugar, do mesmo modo. Nós deterioramos, diário, as guerras nos matam, os terremotos nos destroem, a lava nos engole e o amor nos trai. E nem somos imortais: mas talvez isso seja um bem, não?” pág. 32

Aos poucos vamos lendo passagens onde a autora, que afirma ter passado por todos os relatos narrados, nos dá observações sobre o humano não só na sua ainda restrita visão adolescente, mas de um ponto de vista maduro.


O livro também pode ser lido como um rompimento a todos os dogmas que cercam o país, principalmente a forte repressão religiosa da Itália da época. 

quinta-feira, 6 de março de 2014

A revoada, Gabriel García Márquez



Por Taynara Cruz


Gabriel García começa sua primeira obra publicada nos introduzindo a um suicídio, em que o cadáver de um médico é desprezado pela população de Macondo, que tenta impedir o enterro. Mas, um velho coronel, que tinha o prometido que o enterraria se dispõe a ajudar. Ele chama sua filha Isabel e seu neto, uma criança, para ajudá-lo.

O livro é narrado por estas três pessoas – o coronel, sua filha e seu neto. Gabriel García Márquez nos concede a oportunidade de vivenciar três perspectivas sobre o mesmo fato, uma vez que os três narradores, em alguns momentos, descrevem o mesmo acontecimento um após o outro, e na medida em que a história é contada, o leitor vai juntando os quebra-cabeças para entendê-la.

Em certo momento da narrativa, o médico desconhecido chega à casa do velho coronel e o pede abrigo, que lhe é concedido imediatamente. O estranho vive nesta casa durante nove anos até que a empregada da casa engravida e o pai pode ser o médico. Ele muda para outra casa e leva a empregada, mas a única pessoa que sabe da gravidez é o velho coronel. Quando a população precisa do médico por causa dos feridos da guerra, este se recusa a ajudar e é por isso que o povo de Macondo o odeia.

A obra é uma crítica à sociedade. Pelo fato de o médico não ajudar o povo, o povo não o presta condolências em sua morte e até dificulta seu enterro. Isso mostra que as atitudes do ser humano estão condicionadas às atitudes do outro.

Gabriel García desenvolve o livro aos poucos, o que força o leitor a não apenas ler, mas juntar as informações - característica que mais me chamou atenção. Neste caminho algumas lacunas não são preenchidas, algo que pode causar desconforto a algumas pessoas. Para mim, essa falta de explicação pode ter sido proposital para fazer mais uma crítica ao ser humano: Não temos que conhecer a vida do outro por completo, o que deve nos interessar é a nossa própria história.


“A revoada” confirmou em mim o desejo pelo desafio.


Acompanhem as novidades do desafio na Tag: Um autor para 2014.