domingo, 26 de janeiro de 2014

Talvez o amor escape




Por R.S.Merces

“Não havíamos percebido que aquilo que o público realmente abomina na homossexualidade não é a coisa em si, mas o fato de ser obrigado a pensar nela.”, assim escreve E. M. Forster nas notas finais de seu romance, “Maurice”. A frase vem seguida de “Maurice talvez escape”.

O livro escrito estre os anos de 1913 e 1914 permaneceu guardado até sua publicação em 1971. O tema homossexualidade era ainda restrito na literatura e podemos apontar o início do modernismo como grande difusor de um novo pensamento sobre o homem. Publicações como “O quarto de Jacob” de Virginia Woolf e “Ulysses” de James Joyce, apresentam o amor de um jovem por seu amigo e uma androginia masculina, respectivamente. Contudo somente depois dos anos 60, movimentos de grupos homossexuais possibilitam a leitura do amor não estereotipado de Forster.

Maurice é um homem “comum”, “desajeitado”, sem nenhuma caracterização, o que o deixa até mesmo desorientado no reconhecimento de seu amor por Clive, um intelectual que busca nos conhecimentos gregos sua identidade. Contrariando a tradição, existe aqui um final feliz, o que torna o enredo quase impossível à sociedade tradicional da época em que foi escrito.

Se o século XX trouxe um grande avanço quanto ao reconhecimento do amor de um homem por outro homem, infelizmente somos, diariamente, confortados por pensamentos arcaicos principalmente por ideologias religiosas. As palavras de Forster escritas em setembro de 1960 são tão atuais quanto seu romance.

Acompanhamos nos últimos dias as agressões virtuais sofridas pela escritora Lilian Farias na divulgação de seu novo romance “Mulheres que não sabem chorar”. Por enquanto só tivemos a publicação da sinopse do livro e de seu referido tema, a homossexualidade feminina. Contudo as poucas palavras já causaram desconforto na internet e a autora tem recebido mensagens de ódio e comentários ofensivos tanto ao texto quanto à sua vida pessoal.

É comum que escritores sejam constantemente confundidos com suas narrativas, criando neles a personificação da verdade falha no texto. Esses limites, não reconhecíveis, no trabalho de Lilian Farias demonstra o quanto ainda vivemos em uma sociedade que não quer pensar na possibilidade de um verdadeiro amor entre pessoas do mesmo sexo.

As redes sociais hoje em sua grande abrangência de usuários comportam infinitas representações de ideologias marcantes do século XXI. E é essa liberdade que torna esse livro possível mesmo com as diversas denúncias contra a página de divulgação.

“Mulheres que não sabem chorar” não ficará guardado em uma gaveta por 56 anos e ainda esse ano os leitores poderão conferir o romance dessas duas “ainda misteriosas” personagens.

E aos preconceituosos de plantão, lembrem-se de que ninguém precisa de salvação, precisamos é de A.M.O.R. Lembrem-se de que a resistência criou a guerra e a guerra dizimou milhões de pessoas. Lembrem-se de que não são obrigados a ler nada que não quiserem ler. Lembrem-se de que somos humanos, somente ISSO.

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