domingo, 23 de fevereiro de 2014

Resenha - As avós, Doris Lessing

(As avós, Doris Lessing: tradução de Beth Vieira. São Paulo: Companhia das Letras, 2007. 104 p.) 


“De ambos os lados de um pequeno promontório, pontilhado por cafés e restaurantes, havia um mar brincalhão porém digno, bem diferente do verdadeiro oceano que rugia e roncava do outro lado da bocejante baía cercada por rochas que todos chamavam – até nos mapas tinha este nome – de Dentes de Baxter.”

É nesse cenário paradisíaco que duas meninas novatas na escola se tornam grandes amigas. Uma amizade capaz de afetar gerações de duas famílias construídas sob um único alicerce. Lil (ou Liliane) é a mais delicada, de feições sublimes enquanto Roz (ou Rozeanne) esbanja um corpo mais maduro com uma visão irônica de tudo; se completam como gêmeas. Crescem juntas e seus atritos são marcados por suas diferenças físicas e com o passar do tempo a relação parece girar em torno de um “determinismo”, tudo que acontece a uma necessariamente vai acontecer à outra.   

Nas relações amorosas insatisfatórias, diante das constantes investidas ciumentas dos maridos, trazem novos ares na amizade. Os filhos são quase o espelho das mães, desbravam o mar como as pequenas fizeram anos atrás. A família, então, fica subordinada a Lil e Roz, são elas a base afetiva psicológica para enfrentar os percalços da separação e da perda. O que seria natural torna-se desconcertante.

Ian, filho de Lil, encontra conforto, diante da morte do pai, em Roz. Tom, contrário ao relacionamento do amigo com a mãe, procura os carinhos de Liliane. O absurdo foge aos desejos sexuais de ambas amigas que precisam viver sob segredo na comunidade local.

O espaço de tempo transcende as principais marcas da vivência de Roz e Lil. No épico, temo-las como heroínas, capazes de solucionar os atos que ameaçam a ordem estabelecida. Às demais narrativas podemos efetivar as imagens globais do texto e rememorar tudo que além do cenário paradisíaco desestruturam o ambiente.

As mulheres de Lessing em “As avós” são mulheres que conquistaram a liberdade de pensamento e expressão. A união dessas garotas é o ponto crucial no desenrolar de suas vidas, se entendem como ninguém mais. As relações com os filhos é resultado do carinho cultuado entre elas.

O breve romance de Doris Lessing entrega ao seu leitor um turbilhão de sentimentos que rompem com os todos os “dogmas” da literatura. Aqui os conceitos de amizade, família, amor transpassa o aceitável para, ainda sim, torna-se possível. A leitura é fluida em um enredo que busca desenvolver-se nos fatos, principalmente por buscar o cerne das questões abordadas.


Diante de todas as reviravoltas, seria o “mar brincalhão” nosso principal personagem?    

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